quinta-feira, 24 de maio de 2012

Escrita com a Dança


A reflexão crítica em torno da dança contemporânea produzida no Nordeste e escrita como laboratório de criação, reflexão e movimento.

Seria possível traduzir em palavras, os movimentos e as sensações que a dança contemporânea transmite? Para o artista, pesquisador e crítico em dança Joubert Arrais, a obra artística coreografada é um campo fértil de conhecimento e pode revelar uma realidade, conectada a um contexto histórico e local.



Tendo como objeto de pesquisa a reflexão crítica sobre a dança contemporânea na região do Nordeste brasileiro, Joubert Arrais desenvolveu o projeto “Crítica com a Dança” que, com o apoio da Funarte/ Minc através do Prêmio Klauss Vianna de Dança 2011, começou a ser executado em março deste ano.

O projeto consiste em conversas a partir de encontros presenciais com artistas colaboradores e convidados, laboratórios itinerantes de escrita crítica sobre obras de dança contemporânea, criação artística e crítica especializada, com foco na produção artística da região Nordeste. Todo o conhecimento gerado nos encontros e laboratórios culminará em uma publicação impressa.

Serão ao todo dez itinerâncias, onde Joubert conta com o apoio de uma equipe de colaboradores formada por quatro artistas e pesquisadores de dança: Angela Souza (CE), Candice Didonet (BA), Janaína Lobo (PI) e Marcelo Sena (PE). O resultado dos encontros pode ser acompanhado pelo site www.enquantodancas.net.

Durante os dias 05 a 07 de junho, Joubert estará em São Luís, ministrando a oficina “Escrita com a Dança”, direcionada a atores, bailarinos, jornalistas, coreógrafos, escritores, leitores, críticos de arte e demais interessados em análise de espetáculos. Parte da programação da 4ª edição do Conexão Dança, os interessados em participar podem confirmar a participação através do site: www.wix.com/conexaodanca/blog.

O objetivo é produzir manuscritos e documentar com ações cotidianas o presente para o presente e, assim, estimular o hábito da escrita com a dança e suas possibilidades críticas. Isso será feito em dois momentos: "apreciação de obras", com projeção de vídeos para a apreciação das obras, e "estudo crítico”, com uma breve conversa sobre a obra em questão, para perceber as primeiras impressões, enfatizando aquilo que foi visto e o que comunicou.

“Quem estiver conosco, vai entender como é esse corpo que escreve e que, ao mesmo tempo, dança, criticamente. Daí ser importante para quem vai participar da oficina que tenha algum interesse pela escrita, que queira estimular o hábito de escrever sobre suas experiências artísticas, enfim, que goste de escrever, e que tenha algum trabalho regular de corpo”, destaca Joubert.


ENTREVISTA com Joubert Arrais

Você está desenvolvendo o projeto ‘Crítica com a Dança’, contemplado pelo Prêmio Klauss Vianna de Dança 2011 – Funarte/MinC, onde ao todo serão realizadas dez itinerâncias para assistir e realizar escritas críticas sobre obras de dança contemporânea da/na região Nordeste, e que culminarão em uma publicação impressa. Fale um pouco sobre o projeto, desde a sua idealização.

Joubert Arrais – Dança e Crítica tem naturezas distintas, especificidades, “a” crítica, “a” dança, e que se intercruzam, daí nasceu a ideia do projeto. Estamos fazendo itinerâncias no Nordeste para assistir a dez espetáculos produzidos nessa região. Muitos desses espetáculos estão juntos na mesma itinerância (então não são exatamente dez), por estarem no mesmo evento. Isso tem sido bacana, porque colocou para o projeto a importância da itinerância como agregador, nesse fortalecimento de relações entre as obras e também das obras com seus contextos de existência. Quero dizer, viajar para ver um espetáculo de dança é uma oportunidade riquíssima de aprendizado e descoberta, até mesmo de ações formativas, como a oficina Escrita com a Dança, que realizaremos em parceria com o Conexão Dança. Tanto que, ainda em São Luis, vamos ver dois trabalhos – “Travesqueens” e “Menu de Heróis” - que foram indicados pelos artistas-pesquisadores que colaboram com o projeto. Um deles é Marcelo Sena (Cia Etc – Recife/PE), que estará comigo assistindo os espetáculos e também acompanhando a oficina. Contudo, incluímos “Matadouro” pela oportunidade que o Conexão Dança, nosso parceiro, nos deu em sua programação.


Como é o processo de construção da escrita a partir da dança e como estimular o olhar crítico e estético sobre as obras coreográficas?

Joubert Arrais – Venho trabalhando com três movimentos, o da escrita, o da escrita crítica e o da crítica de dança. São movimentos que se interrelacionam no estudo desse corpo e movimento que se organiza como dança. Tem a ver também com o modo como percebemos as obras, como a obra se organiza como obra coreográfica, qual sua relação com o tempo, com o espaço, que questão nos provoca e, principalmente, como nos tornamos parceiros e cúmplices dessa dança que se apresenta para nós e conosco. Não é uma escrita mecânica, muito menos terapêutica, mas uma escrita sensorial e perceptiva, uma escrita com o corpo, assim como Clarice Lispector diz: "escrevo com o corpo". É desfuncionalizar o ato da escrita, deixar a escrita ser corpo, ser movimento. Aí é que podemos colocar esse olhar crítico que duvida, questiona, enquanto comentários que trazem a potência de uma crítica que busca refletir e produzir conhecimento a respeito de determinado trabalho. Tem mais coisas envolvidas, mas, de modo geral, é esse o processo.


Que função deve a crítica de dança desempenhar?

Joubert Arrais – A função da crítica de dança é com a reflexão crítica e política desse corpo que dança, o modo como ele se organiza e se configura como possibilidade de leitura crítica de mundo, pelo menos deveria. Não é a crítica como olhar negativo, mas um olhar complicado. No entanto, o que temos são textos resenhísticos, não apenas os de dança, isso significa que são textos mais comprometidos com o estímulo ao consumo rápido e que coloca o leitor como agente passivo, sem interlocução aprofundada. A leitura de um texto crítico, de fato, estimula conexões, relações, conhecimento. Se um texto é produzido sem esse comprometimento, acaba desempenhando a função apenas de informar a grosso modo. No caso da dança, o comprometimento é com suas especificidades, de que a dança é produção de saber, é ação que acontece no e com o corpo, é leitura de mundo.


Este ano, você desenvolverá a oficina “Escrita com a Dança” durante o Conexão Dança, o que os alunos poderão esperar?

Joubert Arrais – Seremos, eu e todos, coparticipantes de uma experiência coletiva chamada “escrita com a dança”. É uma oficina pelo caráter prático que se propõe, mas é também laboratório de vivências e experimentações com o corpo em movimento de escrita e de dança. Dançaremos juntos com o corpo que se move assim como se move a escrita de ideias no papel. Uma escrita “para nada”, num primeiro momento para fazer com que percebamos que o corpo está ativo, que somos corpos quando escrevemos, mas isso precisa ser vivenciado, precisamos estar disponíveis para esse momento de descoberta.


PERFIL
Foto Alex Hermes

Joubert Arrais é doutorando em Comunicação e Semiótica (PUC/SP), mestre em Dança (UFBA) e bacharel em Comunicação Social/Jornalismo (UFC), com formação artística pelo Centro Em Movimento (CEM/Lisboa). Atua em ações colaborativas de dança, dentre elas, o projeto itinerante Crítica com a Dança - Funarte (2012) e a pesquisa experimental "Sambarroxé" (2008-2011). Coordena o comitê temático “Produção de Discurso Crítico sobre Dança”, da Associação Nacional de Pesquisadores em Dança – Anda (gestão 2011/12). Colabora, desde 2003, dos jornais cearenses O Povo e Diário do Nordeste.